terça-feira, 18 de dezembro de 2012

hospício de palavras

O fumo saiu delicadamente da tua boca, parecendo-me por momentos ver as estrelas brilhar no espaço entre nós. Os teus lábios cor de vinho pareciam pedra enquanto o fumo embalava a brisa fresca. Numa noite de verão, o calor humano de nossos corpos dançava em torno dos nossos olhos, o brilho de um além esquecido aquecia as nossas mentes, algo parecia flutuar entre nós, como se a gravidade não existisse e estivesse-mos presos num recanto do nosso mundo dançando com o fumo. Tirei-te os óculos e abri tua mão, refresquei a minha com a tua palma e entrelacei os meus dedos nos teus, cabendo como uma chave numa fechadura.
Em certo tempos encostei-me a um muro vazio e acendeste-me o cigarro e, deleitando-me no nosso confortável lugar, deixei-me levar pelas horas, pelas brisas e pelo mundo, flutuando na mente de um ser qualquer, deixando para trás preocupações e razões de chorar. Mas afinal ria-me, não que o fumo me embalasse já o controlo, mas ria-me de felicidade, de um bem estar que percorria ossos e órgãos, tapando feridas e hematomas, curando venenos e rasgando células raivosas.
Como foi bom, puxar o ar e receber uma rajada de ar quente, abrindo-me os pulmões, sentindo-te nos braços, na fronte, na imensidão da minha alma. Como o sol é apaixonado pela lua, também tem o que tenho, as estrelas, a fortaleza de uma amizade que cresce todos os dias. Sem as estrelas, o sol não poderia sequer saber o que fazer para conquistar o coração lunático da lua, que poderia eu, mero humano, fazer sem as minhas estrelas?
Percebes que quando algo através de nós voa mais para além do nosso alcance de a apanhar, algo fugiu de controle, possivelmente será algo mau, mas possivelmente também poderá ser bom. Como quando liberto meu fumo sobre ti, me deleito no teu corpo desnudo e me apercebo que nunca ser humano esteve tão próximo e tão longe de tal ser, de tal antepassado da perfeição. As lutas não passam hoje de histórias para contar aos netos, as discussões não passam de memórias, mas o presente é algo incompreensível, algo que o desejar é pouco para quando quero passa-lo contigo, algo no presente e no futuro tem um lugar vazio onde tu encaixas na perfeição, e pela minha compreensão deste mundo, pela minha mente, sei-te dizer quando algo é para sempre. Nós, com um Tu e um Eu juntos, formando algo que ninguém até hoje pode quebrar, apesar das feridas causadas por facas longas de metal. O fumo não passa de um interlocutor nesta nossa jornada, tal como as feridas, as críticas, as paisagens de maldade.
No final de explicar em palavras o que a alma expressa, deleitei-me no teu abraço que nos meus pensamentos perdura por séculos, tendo-te, não de maneira compreensível, mas de maneira a que ambos tenhamos um sorriso na cara, prontos a saber que em tempos de guerra poderemos ser a espada um do outro, uma tromba que chama a ajuda um do outro.
Sentei-me na nossa cama e ri-me como um perdido, afogaste-me o riso com uma almofada e prendi-te os braços, pondo-te de baixo de mim. Olhei-te, sorriste-me, pegaste no maço vazio e atiraste-mo à cara, rindo-te. ''Como poderia viver sem ti?'' li-te os pensamentos enquanto mo dizias. Sorri-te, roubei-te um casaco, puxei-te e saímos de casa. Lá fora a loucura foi perturbada na imensidão da noite, pensando meus vizinhos que malucos teriam fugido de um hospício. Seria verdade? Nunca cheguei a saber.

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