sábado, 14 de dezembro de 2013

''Está a morrinhar''


Daqui deste baixo chão sou insignificante, não passo de um mero ser, uma célula movida por força, deitado num canto de sujidade. Daqui, deste mero fim de precipício sou pouco mais que pó, e que olho para cima, observo de relance todas as coisas opostas a mim, todas as coisas que cuja grandiosidade as torna tão mais altas, tão mais inúteis. Não se rebaixam perante si mesmas, não são próprias de nome, não incluem rótulos de vida em si. Mas minha pessoa sim, eu sim, parei e rebaixei a minha própria alma, de maneira concreta e sem outros objectivos, apenas me deitei no largo pavimento e presenciei tudo o que antes era inferior agora superior.

Mas muitas vezes sentamos-nos não por mera impaciência, deitamos-nos por simples e convicta reacção ao tempo, à forma como nós nos encontramos. Pois deitei-me desta vez, não para me achar no meu mundo, mas sim para repousar e deleitar algo no vazio que não conseguia carregar mais, era um fardo que eventualmente ia cair no desuso e no esquecimento. E assim foi, assim larguei como um balão soprado pelo vento e desejei que tudo parasse e pudesse naquele leito cair e descansar os meus olhos cansados e a minha mente retorcida da viagem anterior. Permiti a mim mesmo deixar nomes não nobres numa caixa oca, trancada por uma chave inexistente, deixada num lugar não conhecido.
A chuva que outrora me molhava a pálida cara, e aquele som grave e grandioso, já nada me aquecia os pensamentos de negação, já o sol me fizera parar de brilhar por algo opaco, já a neve era escassa neste mundo de tanto nevoeiro que nos fazia perder uns dos outros. Já uma brisa no céu regressava, já um raio de luz se estendia sobre mim. Aquelas pequenas coisas fúteis já não eram desprezadas, ainda as vejo quando aquele espaço me alberga nele e me deixa deitar o corpo, vejo-as de maneira majestosa, estão ai em cima, penso, sei como sou insignificante aos olhos de Deus, digo, estou onde devo estar, sei, estou bem onde estou, concluo.




sexta-feira, 30 de agosto de 2013

dezenas depois

-carta restaurada- Verão 1887, 1


Querida Primavera

(...)

E reflectia aquela suave tonalidade de luz, que transbordava por todo o meu quarto. Olhei finalmente para o que me tinhas dito e depressa comuniquei (...)
Era final de tarde mas o sol ainda incidia com a sua luz em toda a superfície. Comecei a escutar a tua melancólica e límpida voz a erguer canções ao ar e de seguida encaminhei-me para os grandes jardins que ladeavam aquela rústica casa. Os degraus apesar de frios (...) meus pés descalços. O ar estava abafado, pois estava um belo dia de Verão, com um perfume romântico no ar e um brisa sincera pelo ar. E não mudava de tom, apenas cantava com sentimento a cair em cada fôlego, a unificar-nos em cada pausa.
(...) pois os sonhos são para as noites frias (...)

Encostei-me ao grande muro que escondia a casa do jardim. Observei os pássaros a voar, as folhas a criarem pequenas formas abstractas causadas pelo (vento?).
De repente, apenas fechei os olhos e tudo o que era verde desapareceu, e tudo se tornou escuro. Mas não de maneira negativista, pois desta vez, fechei os olhos e a tua voz ainda ecoava pela minha cabeça, rebolando pelas ervas do jardim, decapitando cabeças de flores perante mim, sensual e angelical, a tua voz ecoava pelos orifícios e (...) tudo o mais feliz.
Como estás?

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após a restauração desta carta o mundo apenas melhorou um pouco, os corações talvez batam melhor e a própria felicidade ficou mais feliz.