terça-feira, 3 de julho de 2012

Pólvora num sonho

''As coisas simples da vida, têm tendência a crescer consoante o sentimento que temos por elas.'' Olhei para a estátua cinzenta e relembrei as palavras que em tempos me dissera. Levantei-me com esforço e permaneci de pé a olhar a vista que em tempos tinha sido o sitio ontem em sonhos vivera. Percorri o carreiro do grande prado e avistei de vez em quando árvores mais velhas que o tempo, agora caídas e deixadas a morrer. O calor presenciava a cena, o sol erguido acima dos montes era o único espectador, que apenas me pagava com exaustão.
Os pinheiros erguiam-se a lado do prado, onde também existia uma ribeira de lágrimas choradas em tempos passados. Fixei-me no horizonte, chamei o vento, mas o silêncio aumentava e nada ouvia para além dos meus pesados passos. Passei a pequena ponte de pedra e num segundo lembrei-me:
''Passámos a ponte e deu-me as mãos, senti o seu calor viver em mim e permaneci calado, apenas deixando-me guiar. A erva estava alta e cobria os nossos joelhos, o vento soprava na nossa face e perdia-se atrás, onde nada mais existia. Tinha visto antigos amores percorrer o mesmo caminho, antigos fiéis a deixar-se conduzir pela brisa da noite e a tornarem-se prometidos naquela noite de lua cheia. Segurei-lhe a cara e beijei-lhe a boca. Permaneci quieto, saboreando o pedaço de paraíso onde estava, apesar de ser escuro e tudo o que via eram os seus olhos brilhantes como a lua, pedindo que não parasse, pedindo que não acabasse. Mas algo enorme e forte nos empurrou e vi o meu amor cair num poço no chão, caindo à agua fria e escura e desaparecendo do meu mundo...'' Acabou. Abri os olhos, era de dia e estava caído num prado de trigo, sozinho. 
Olhei o poço. A água era límpida e dava casa a centenas de insectos. Sentei-me no chão de terra seca e parei de pensar naqueles momentos. ''Não gosto de Luís de Camões'', avisei o Sol. Olhei as árvores distantes e lembrei-me dos momentos em que era feliz a conversar com elas, levando-me a sítios nunca antes vistos por olhos humanos. Encaminhei-me a um grande carvalho velho, sempre o afigurara a um urso, retratando-o como o mais antigo, fazendo as minhas ideias tecer novos caminhos a ele. Perguntei-lhe a idade do Tempo e ele limitou-se a murmurar com o vento. Perguntei-lhe como se chamava e fez-me cair na terra seca e suja. Não sou de angustias mas sempre virei costas a quem não era digno da minha felicidade, tal como fiz a outro ser, virando costas quando as palavras se tornaram meras mágoas passadas.
Como brinquedos, como corações, nos olhos de muitas almas não tem diferença, apenas se podem partir nos momentos em que a vontade pede. Seriamos felizes se essas almas apenas se mudassem, por exemplo, para Marte? 
Olhei em redor e vi corvos a voar, os espantalhos percorriam o terrenos e o céu tornava-se cinzento. Queria sentir-lhe de novo a alma, mas não queria outro risco na minha, não queria um novo corte provocado pela sua mágoa na minha pele.
A corte esperava-me insatisfeita, que raio queriam eles? ''Caia o rei de uma ponte'' pensava. Caí na minha cadeira da grande sala e o jantar começou: Comiam como porcos, belas raparigas dançavam semi-nuas na grande sala, a grande mesa era preenchida com comida e o Rei simplesmente comia, comia, como um porco, engordando, engordando, esperando pela matança...
Não queria ver ninguém escorrer sangue, não queria sequer sonhar com uma faca encostada à sua garganta, mas era Natal e estava na hora da matança do porco. ''Tirou-me tudo'' pensava eu. A minha sanidade mental não ajudava nada, não iria passar mais uma noite a chorar a sua perda, iria fazer o que o coração me mandava.
Esvaiu-se em sangue que se derramou pelo quarto, e num toque de duas mãos fi-lo deixar de respirar e ir fazer companhia aos anjos que ansiavam pela sua próxima vítima.
Olhei de novo para o horizonte e vi-te nas nuvens, não me podia impedir de pensar em ti. Guardei o teu anel no bolso e encostei-me à velha árvore. 

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