quinta-feira, 5 de julho de 2012

Pautas que escrevi

Toquei o Mi bemol no piano e o som alastrou-se no silêncio. O sentido das notas estava gasto e o seu som estava desafinado. Dó, ré, mim. fá, sol, parei e senti o pedal frio a aumentar o tempo à nota.
Quis recomeçar a partitura e tocar todos os compassos, um por um desde o início. Toquei a primeira vez em que te vi, de costas viradas para mim, esperando que a minha leve alma te encontrasse. Toquei na segunda oitava, onde os sons eram mais vivos e felizes os momentos em que conseguiria escrever mil versos apenas sobre o sorriso que tinhas. Fui tocando nota a nota. Toquei na clave de Fá a maneira como me sentia seguro e protegido cada vez que o teu abraço me envolvia, cada vez que as minhas palavras bailavam e asseguravam a permanência dos nossos momentos na nossa história.
Parei. A pausa era de dois tempos, o suficiente para me fartar e acabar com aquele massacre, mas não, não parei. Aconcheguei-me no banco negro e pousei mais uma vez os dedos nas teclas pretas e brancas. O compasso seguinte toquei-o de uma maneira incerta e incapaz de perceber, como uma maré de duvidas fazer-me embater contra rochas. As notas suavam-me familiares, como algo que já tinha passado com outro alguém, com outro ser que no meio da minha peça me deixara a tocar para o silêncio. Toquei compassos escritos na grande oitava, onde os dedos me gelavam e a dor aumentava, pois não podia parar, não havia pausas, não havia respirações, não havia uma berma na estrada para poder parar e descansar o pesado fardo que carregava. Abrandei e relembrei-me do dia em que me abraçara a algo inanimado como se te abraçasse, e as notas iam diminuindo e a tristeza nelas ia aumentando. As notas falhavam e a nossa relação ia arruinando ao longo da partitura. 
Toquei diversas notas sem pensar ou relembrar alguma coisa, porque só restava um pedaço de nada, um inexistente, como um lugar vazio esperando que o seu antigo dono voltasse. Continuei a tocar, e as duas pautas quase vazias seguintes eram como os dias em que sentia a tua falta, mas sempre com a esperança de te ver voltar no horizonte. 
De súbito vi os compassos a ficaram mais subtis, mais alegres por assim dizer e a ganharem algo que já se tinha perdido em pautas anteriores. Algo regressou e a música completou, algo fez as notas sentirem-se bem e o pedal a deixar de estar tão gelado. Agora toco com paciência, não componho compassos que sei que só me vão magoar, não faço planos, apenas toco de maneira a desejar um dia ter-te a meu lado e fazer-mos a nossa própria partitura, juntando a nossa história e deixando os nossos dedos reproduzi-la, para que todos possam ouvir o quanto ela é bonita.

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